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André Heller sobre corte: Eu quis assassinar o Bernardinho. Depois entendi que era para o bem do time

Entrevista: Marco Guarizzo

Texto: Henrique Bueno e Leandro Las Casas

Campeão olímpico com a seleção brasileira de vôlei, o ex-jogador André Heller, está preocupado com a formação de jovens atletas no Brasil. Após a aposentadoria das quadras, o atleta criou raízes em Campinas, onde atua como gestor do Vôlei Renata. O ex-capitão da seleção trabalha na busca por novos talentos, mas vê falhas em todo o processo de revelação de jovens atletas. Apaixonado pelo estudo, Heller se formou em educação física após deixar as quadras e continua se especializando em gestão esportiva. Entre a preocupação com a geração futura e sua atuação nos bastidores do esporte, André Heller revisita sua trajetória, desde o ingresso no vôlei ainda no Rio Grande do Sul, passando pelas promessas feitas aos pais, o convívio com os cortes e os tempos de seleção brasileira. Além de uma confissão: a fúria com o técnico Bernardinho após o corte que antecedeu o mundial de vôlei de 2002.

Trajetória

“Minha mãe fala que após o ouro em Barcelona, em 1992, eu prometi que um dia seria campeão olímpico. Eu não lembro disso, mas ela jura que é verdade.”

André Heller nasceu em 1975, em Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul. Sempre muito alto, engana-se quem pensa que o vôlei surgiu na vida do central de maneira natural. O ingresso no mundo dos esportes se deu por recomendação médica, após ser diagnosticado com problemas respiratórios. Após algumas tentativas fracassadas na natação, basquete e atletismo, optou por jogar vôlei no time da escola, mas encontrou algumas dificuldades para ingressar na equipe. “Eu não sabia jogar vôlei. O pouco que eu sabia não me dava condições de estar em nenhum time ou clube”, relembra. Mas o balde de água fria na incipiente carreira de atleta foi dado pelo professor na época. “Fui cortado do time da escola. Meu professor de Educação Física chegou e me disse que eu era ruim e que era para eu procurar outra coisa para fazer”. O educador marcou a vida do atleta, mas de uma maneira muito positiva. “Ele não desistiu de mim. Ele mexeu comigo e fez com que eu quisesse provar que tinha condições de estar ali. Sou muito grato pelo que ele fez. Se não fosse ele, talvez eu não tivesse seguido carreira no esporte”, agradece. Esse foi o primeiro corte de André Heller de uma equipe de vôlei, algo que o acompanhou em toda sua vida de atleta.

Em 1990 começou no vôlei profissional ao ser aprovado na peneira da antiga equipe do Frangosul. “Eu não sabia me comportar como atleta. Meu técnico perdeu a paciência comigo. Ele veio na minha direção como um pitbull raivoso e me disse algo que nunca esqueci. Ele disse: ‘André, meu filho, tem que ter tesão pela bola’”, revela. Três anos mais tarde, foi convocado pela seleção brasileira juvenil e novamente passou por outro choque de realidade. “Fui convocado e logo em seguida, fui cortado. Me disseram que eu era o pior atleta fisicamente e tecnicamente que já tinha passado pela seleção brasileira juvenil. Era verdade”. Ao mesmo tempo em que o futuro na seleção brasileira corria risco, André Heller soube que teria nova oportunidade, caso se dedicasse mais ao esporte. “Meus pais foram me buscar na rodoviária quando retornei da seleção. Eles estavam felizes e orgulhosos. Mas para agradar a minha mãe, optei por contar apenas a parte de que teria que me dedicar mais se quisesse voltar. Não menti, apenas não falei o que haviam me dito lá”, se diverte.

E o central se dedicou tanto ao esporte, que no ano seguinte, não apenas retornou, mas foi o capitão da equipe que ganhou o campeonato sul-americano. A confiança era tamanha, que fez uma promessa para a mãe, após ver a seleção vencer a olimpíada de Barcelona. “A minha mãe jura de pé junto, que logo nos primeiros meses de carreira, ao assistir a seleção de 1992 sagrar-se campeã olímpica em Barcelona, eu estava amarrando os meus tênis, colocando as joelheiras e falei: mãe, anota aí que eu vou ser campeão olímpico. Eu sinceramente não lembro disso, mas é claro que eu acredito nela”, relembra. A partir daí, a carreira de André Heller deu um salto. Ele se transferiu para a Ulbra, foi bicampeão brasileiro, passou por Minas e Florianópolis, onde foi colecionando títulos, até se transferir para Itália. Repatriado, voltou ao Minas, antes de chegar ao vôlei de Campinas, em 2010, onde atuou por quatro anos antes de se retirar das quadras.

Seleção Brasileira e estreia nas Olimpíadas

“Após o sexto lugar em Sydney, alguém da seleção disse que tínhamos perdido porque é da cultura do brasileiro perder. Fiquei puto.”

Com a carreira em ascensão, a convocação para a seleção principal era questão de tempo. E isso aconteceu em 1998, quando figurou na lista do então treinador Radamés Lattari. “Nessa época, lembrei muito do meu antigo professor de Educação Física, em Novo Hamburgo. Ele foi a força motriz que possibilitou que eu seguisse no esporte. Devo muito a ele, espero um dia poder agradecer o que ele fez por mim”, reconhece. A história de André Heller na seleção brasileira foi recheada de títulos. Foi ouro e prata nas Olimpíadas, bicampeão da Copa do Mundo, campeão mundial, campeão Pan-Americano, hexa campeão da Liga Mundial de Vôlei, além de diversos outros títulos continentais e de demais torneios. Numa análise fria, a passagem do central pela equipe do Brasil parece ter sido muito tranquila. Só parece. A realização do sonho de disputar uma olimpíada aconteceu no ano 2000. Porém, houve momentos turbulentos que minaram a concentração da seleção, que terminou a competição num modesto sexto lugar, após a eliminação para a Argentina. “A seleção não podia ir além daquilo. Foi o que merecíamos”, resume. Os problemas começaram muito antes dos jogos olímpicos. Astros do vôlei brasileiro, Tande e Giovanni haviam abandonado as quadras para tentar a sorte no vôlei de praia. Porém, a dupla não conseguiu se classificar para Sydney e retornaram às quadras para disputarem as olimpíadas. “O técnico escolheu colocar eles lá dentro. Eles eram grandes jogadores. Gerou um mal estar no momento do corte. O Brasil precisou disputar o pré-olímpico. A seleção que venceu o pré-olímpico não foi a mesma que foi para a olimpíada. Alguns jogadores que foram protagonistas no pré-olímpico, que conquistaram a vaga para Sydney, não foram para as olimpíadas”.

André Heller garante que o sexto lugar nas olimpíadas não foi decepcionante. “Não digo que fiquei decepcionado, porque conseguimos a posição que merecíamos. Eu ouvi de um brasileiro, que fazia parte da delegação, que disse: ‘ah, André, perdemos porque é da cultura do brasileiro perder’. Eu achei inadmissível isso. Aquela frase me ofendeu. Fiquei extremamente ofendido. Não sei se pode falar palavrão aqui, mas fiquei puto mesmo”.

Bernardinho, fúria assassina e ouro olímpico

“Ele estava acabando com meu sonho. Pensei em assassinar o Bernardinho. Era fácil. Eu calço 46. Era só dar uma chapuletada nele”

Após o fiasco em Sydney, o Brasil se preparou par um novo ciclo olímpico com a chegada do técnico Bernardinho à seleção. “Ele era impressionante. Ele dizia que a vontade de preparar tinha que ser maior do que a vontade de vencer. Ele fazia a gente treinar que nem cavalo”, relembra. Com o novo treinador, que já tinha uma carreira vitoriosa no vôlei feminino, a expectativa era muito grande e desde o início o trabalho foi forte. Isso levou muitos atletas a fazerem sacrifícios. Com Heller não foi diferente.

“Em 2002, eu tive que optar em fazer uma cirurgia no consultório do médico, mas eu acabei fazendo a cirurgia ali na hora, sem anestesia, sem nada. Foi uma dor absurda para eu conseguir me apresentar em Belo Horizonte, antes das finais da Liga Mundial”, revela. Mas tanto sacrifício não valeu de nada. Antes da final da Liga Mundial daquele ano, André Heller foi chamado pelo treinador, que anunciou seu corte da seleção. Ele também ficou de fora do Mundial de Vôlei daquele ano. “Treinei com a seleção de manhã, quando eu estava entrando no ônibus alguém disse que o Bernardo queria falar comigo. O rol do hotel era longo e parecia que eu estava no corredor da morte. Todos os membros da comissão técnica estavam sentados em meia lua e uma cadeira voltada para eles. Eu falei nossa, já vi essa cena. Aí o Bernardo começou com a seguinte fala: André, eu tenho que ser honesto e transparente com você. Ele me comunicava ali que eu estava cortado da seleção brasileira. Ele estava acabando com o meu sonho”. Após ser informado que tinha sido cortado, o atleta revela que sentiu uma raiva incontrolável. “Eu confesso para ti que eu me emocionei muito. Eu tinha acabado de fazer uma cirurgia. Eu comecei a chorar. Cara eu cheguei a planejar o assassinato do Bernardinho. É fácil, eu calço 46, vou dar uma chapuletada nele. Claro que é uma brincadeira, com fundinho de verdade, porque eu estava sendo demitido”.

Após a traumática situação, eventualmente André Heller voltou à seleção após o mundial e seguiu com a equipe até a olimpíada. “Claro que não era nada disso (sobre a raiva no momento do corte). Um líder tem que tomar essas decisões. Eu falei: ‘Bernardo, quero voltar e ficar na seleção brasileira, o que eu preciso fazer?’ Aí ele falou comigo e eu percebi que aquele corte não tinha nada a ver comigo. Aquele corte dizia respeito ao bem da minha seleção. Quando eu voltei em 2013, eu tirei o foco de mim e coloquei na minha seleção”, reconhece.

A seleção seguiu sua jornada e venceu todos os campeonatos até chegar a Atenas, em 2004. “Sucesso é aquilo que sucede. Nós tivemos uma cultura colaborativa. Todos estavam empenhados em ajudar o outro. A medalha de ouro é o símbolo maior de uma cultura. Éramos muito favoritos e confirmamos isso em quadra”, relembra. André Heller ainda disputou outra olimpíada com a seleção, em 2008, em Pequim. As coisas não saíram como o planejado, com a derrota na final da competição. “A medalha de prata foi muito importante para mim. Foi a minha despedida da seleção”, afirma.

Campinas, aposentadoria e vida de cartola

“Temos capacidade de peneirar novos talentos, mas aqui no Brasil existe falha no processo, em todas as etapas.”

André Heller chegou a Campinas em 2010, para atuar no time da cidade, que disputava a superliga de vôlei. Foram quatro anos como atleta da equipe, antes de decidir deixar as quadras e seguir na equipe, agora como dirigente. “As pessoas me viam com pena. Mas me preparei para atuar nos bastidores. Sou apaixonado por estudo e sala de aula. Me capacitei para isso, fiz gestão aplicada, cursos em geral”. Formado em educação física, Heller é responsável pela equipe profissional do Vôlei Renata e ainda acumula muitas funções: é comentarista da ESPN Brasil, palestrante e tem uma escolinha de vôlei na cidade.

O medalhista olímpico aponta a maior dificuldade na nova carreira: a captação de jovens talentos. “Temos sim a capacidade de acolhermos e prospectarmos vários atletas, jovens talentos. O Brasil hoje tem capacidade de peneirar novos talentos no esporte em geral, mas existem falhas no processo, em todas as etapas. Nós nos preocupamos com o desenvolvimento motor dos jovens para a prática do esporte”, diz. André Heller se mostra ainda preocupado com a educação dos jovens que tentam a vida no esporte. “Nos Estados Unidos, o jovem precisa de notas na escola para ter sucesso no esporte. No Brasil, a situação é inversa”.  O trabalho no Vôlei Renata tenta mudar um pouco deste panorama. Além do time profissional, que dá visibilidade ao trabalho desenvolvido, existe ainda um trabalho de formação de atletas, em todas as categorias do vôlei masculino, além de um trabalho social, que envolve 500 crianças da periferia de Campinas e de Itu, no contra turno das escolas, numa ação de inclusão e cidadania.

O medalhista olímpico, radicado em Campinas, disse ainda que não tem nenhum plano de deixar a cidade, onde vive há 10 anos. “Eu adoro Campinas, minha família está muito bem adaptada aqui. Um dos meus filhos nasceu na cidade. Eles estudam aqui e minha mulher também está muito bem aqui. Não saio mesmo”, finaliza.

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