*Prisma empresarial: toda última sexta-feira de cada mês, o Prisma CBN recebe um convidado para debater o cenário econômico.
Entrevista: Leandro Las Casas
Texto: Leandro Las Casas e Henrique Bueno
Com origem inerente à sobrevivência do ser humano e naturalmente ligada à trajetória da humanidade, a agricultura passou por diversas transformações ao longo da história, se moldou também às necessidades de cada época e se tornou uma atividade econômica essencial. Hoje, no Brasil, representa mais de 20% do Produto Interno Bruto, e por isso tende a ser parte fundamental da estratégia da política externa brasileira. Os desafios, então, sempre existiram e vão existir. E é por isso que o País precisa se adaptar ao que já é feito mundo afora. Para isso, precisa enfrentar, em um território vasto, gargalos e obstáculos básicos para conseguir competir com outros gigantes do agronegócio internacional.
Agricultura 4.0
Os avanços tecnológicos que transformaram e transformam a indústria, como sistemas inteligentes que monitoram os processos físicos e amparam a tomada de decisões, chegaram ao agronegócio “Essa digitalização vai permitir uma evolução daquilo que nós conhecemos hoje. Isso não tem como voltar atrás”, prevê Robinson Cannaval Júnior, sócio-fundador e diretor do Grupo Innovatech, formado em Engenharia Florestal pela ESALQ/USP e com especialização em Gestão Estratégica de Negócios pela Unicamp. Para ele, como a agricultura nunca vai deixar de existir, não é possível que haja uma retrocesso nos processos de inovação, a exemplo de diversas áreas da atividade cotidiana humana. “Essa onda de ruptura tecnológica na agricultura é menos custosa do que outras. Eu me sinto à vontade para prever que só há um caminho: ser mais eficiente e mais eficaz”, estabelece ele, com otimismo.
Traçando novamente um paralelo com a Indústria 4.0, também chamada de Quarta Revolução Industrial por mudar a dinâmica da produção, a Agricultura 4.0 também busca se amparar em dados atualizados em tempo real para tornar os processos e mecanismos mais inteligentes. Mais do que isso, segundo Cannaval, o intuito é conseguir medir o conhecimento adquirido na prática pelo trabalhador e transferi-lo para um banco digital que torne as escolhas e decisões diárias mais precisas. E entre os exemplos, o diretor executivo da Innovatech Consultoria, cita a possibilidade de quantificar de forma exata a aplicação de defensivos agrícolas e de nutrientes, de acordo com o potencial de resposta da planta, restringindo o uso a uma determinada área e não mais em toda a plantação, como geralmente ocorre.
Além disso, lembra da possibilidade de previsões meteorológicas e de ocorrência de pragas e doenças, com análises através de imagens de drones e satélites, e da utilização da Internet das Coisas (IoT), que disponibiliza sensores no campo que captam informações sobre a lavoura. “Muito do conhecimento tácito da agricultura de quem opera a produção está na cabeça. E quando a gente fala das informações mantidas em caderninhos, ou em planilhas eletrônicas, elas são arquivos mortos. Ou seja, não conseguimos usá-las no processo de produção”, diz Robinson. Na Agricultura 4.0, de acordo com ele, isso não acontece. “Porque eu passo a ter informações acumuladas de maneira estruturada”, finaliza.
“O dado ele só se transforma em informação quando é trabalhado. E a informação gera conhecimento para gerar tomada de decisão”
Conectividade
A adaptação necessária para a efetiva aplicação dessas tecnologias no campo, porém, passa por alguns problemas práticos enfrentados no Brasil. A falta de cobertura de internet é um deles, já que locais afastados dos grandes centros não contam com sinais 3G ou superiores. Com isso, Cannaval exemplifica e cita o possível impasse vivido por um agricultor que adquire uma máquina com sensores inteligentes, mas que não consegue enviar esses dados para uma central devido à falta de rede. “A gente sabe que um dos problemas graves do Brasil é a infraestrutura, mas espera-se que a chegada do 5G possa cobrir parte deste atraso”, opina o engenheiro.
Mas enquanto isso não acontece, a presença de recursos tecnológicos e de IoT na produção ainda é tímida, principalmente se levada em conta a relevância da agricultura brasileira no cenário mundial. Por esse motivo, ao passo que a dimensão continental do Brasil sempre foi uma realidade a ser enfrentada, Robinson clama por soluções surgidas das iniciativas privada e pública, mas também pela mudança de mentalidade do produtor rural. “Do ponto de vista de governo, independente de ideologia, ninguém é contra a tecnologia, porque o avanço tecnológico é sinônimo de competitividade”, afirma. “E quando se fala no assunto, tem-se a ideia de que a tecnologia só pode ser aplicada em grandes áreas. Mas não. O pequeno produtor também pode se aproveitar da Agricultura 4.0 com sensores para a irrigação e o uso de fertilizantes”, defende ele.
“[A instalação do 5G no Brasil] é uma questão de tempo. Pode chegar um pouco mais tarde, ou um pouco mais cedo, mas vai chegar ”
Competitividade
Atrás de países como a China e os Estados Unidos no uso de tecnologias e inovações, e com infraestrutura e internet escassas no campo de modo geral, o Brasil ainda vê o agronegócio demandar menos de 2% dos investimentos em softwares. Os dados são de 2018 e são a prova de que há espaço para avançar, principalmente por conta da representatividade do setor para o País e da movimentação e aquecimento do mercado das chamadas AgTechs, empresas e startups de tecnologia aplicada ao agronegócio, nos últimos anos. Com isso, a escolha pela ferramenta mais adequada para o elo que se quer aprimorar se torna uma das questões inevitáveis.
Um dos exemplos, atualmente, é a preocupação cada vez maior com a composição de cada produto, o que faz com que os produtores busquem levar informações digitais interligadas a todo o sistema de produção, armazenamento e distribuição, justamente para que o consumidor final tenha os detalhes e saiba efetivamente o que está comprando e consumindo. “Para alguns produtos, a gente já vê isso. Mas no caso do alimento in natura, a gente não tem. E tudo isso vai ser impactado pela Agricultura 4.0”, alega Robinson Cannaval Júnior, sócio-fundador e diretor do Grupo Innovatech, que lança um desafio ao agricultor que quer sobreviver e prosperar e não leva em conta a chegada da nova fase tecnológica ao agronegócio. “Se ele não não for eficiente na produção, ele vai desaparecer. A gente tá falando de seleção natural. Ou você se adapta, ou você desaparece”, pontua.
“O Brasil é bom produtivamente, mas tem muita ineficiência. Se hoje nós já somos competitivos, podemos ser muito mais”