Entrevista: Leonardo Cassano
Texto: Henrique Bueno e Leandro Las Casas
Reconhecida em todo mundo, a literatura brasileira é riquíssima, mesmo às vezes não sendo valorizada no próprio país. O interessante é que há disponível um grande acervo voltado ao público infantil, com histórias fascinantes criadas pelas mentes de muitos autores premiados. Um desses expoentes é Telma Guimarães. Nascida em Marília (SP), mas vivendo em Campinas há muito tempo, ela é uma das recordistas de vendas no gênero. Dona de uma coleção de 150 livros voltados para crianças, ela já vendeu mais de um milhão de cópias e sua capacidade de criação e produção não para. Percorrendo o Brasil para divulgar seus livros, Telma revisou sua carreira em entrevista ao Prisma CBN.
Campinas, percalços e Mago Bitu
Desde pequena Telma se diz apaixonada por contar histórias. Mas essa paixão não foi intensa desde o começo. Antes de se dedicar completamente à literatura, a escritora seguiu a vida como qualquer outro adolescente. Ela se formou em letras pela Unesp, foi professora de inglês e passou em concurso público. Mesmo com a vida se encaminhando para um bom rumo, ela não desistiu do sonho de escrever e, por um período, dividiu sua atenção entre o trabalho e a escrita. Tudo mudou em 1987, quando lançou o livro ‘Mago Bitu Fadolento’. Pela obra, ela recebeu da APCA o título de melhor autora em literatura infantil. E a partir daí, sua própria história mudou. “Mago Bitu foi uma grande surpresa. Um prêmio que me pegou de surpresa”, diz. E sobre a inspiração, Telma diz que as boas histórias, estão dentro de casa. “Bitu é o nome do meu marido. As ideias começam em casa. Eu precisava de um nome para o personagem e Bitu é apelido do meu marido desde a infância. Então eu tomei emprestado”, relembra.
“Campinas mudou a minha história. Aqui eu tive contato com grandes livrarias, grandes sebos e fiquei mais próxima de pessoas ligadas à literatura”
Após se formar em letras, Telma Guimarães veio para Campinas, onde criou raízes. E a chegada à cidade trouxe outras perspectivas de vida. “Eu comecei a lecionar. Então eu tinha sempre alguns momentos com as crianças e comecei a contar histórias. São as histórias que eu ouvia, quando era criança, dos meus pais, dos meus tios. Como toda boa professora, eu comecei a anotar esses contos em um caderno”, revela. A partir daí, se tornar escritora era um caminho natural. “Levei algum tempo para organizar esses contos. Quando consegui, estava pronta minha primeira história. É mais fácil você contar uma história que você já conhece do que inventar uma”, diz.
Com a história pronta em mãos, começou um trabalho mais difícil ainda: a busca por uma editora. E esse caminho consumiu quatro longos anos. “Eu levei muitos nãos. Você tem que entender que em alguns casos, um não pode ser uma coisa positiva. Nos meus encontros com as crianças nas escolas, eu pergunto quem quer ficar doente. Então o não tem o seu valor”. Para a escritora, tantos nãos serviram para que aperfeiçoasse sua obra. “Cara de Pai foi a primeira obra publicada, mas nesses quatro anos, foram muitas histórias que fiz. Eu não sei em que momento qual delas levou quatro anos. Neste período eu ficava escrevendo, enviando às editoras e recebendo os nãos”, revela.
Editoras, família, livros e ebooks
Emplacar uma publicação em alguma editora não é tarefa fácil. E Telma Guimarães encontrou esse obstáculo inúmeras vezes. “Você enviava o texto e recebia um código numerado. Eu pegava o papel e olhava escrito mil e tantos. Então você sabia que tinha mais de mil histórias sendo avaliadas na sua frente. É mais difícil do que o vestibular da Unicamp”, diz. “Você tem que ter algo muito diferente para conseguir alguma coisa. Se você é novo então, ferrou”, resume.
Porém, os dias atuais permitem uma facilidade maior para a divulgação das obras de aspirantes a escritor. As novas tecnologias, como o ebook, permitem que as pessoas divulguem seus trabalhos. “Você tem muitas formas para se divulgar e mostrar seu trabalho. Não tem desculpa hoje para você ser publicado. Você só não deve pagar para ser publicado”.
De qualquer modo, existe um problema grave na opinião da escritora, que é a falta de interesse do público infanto-juvenil pela leitura. “Eu pergunto aos jovens quais jornais eles leem. Eles não assinam jornais ou revistas. Na minha casa, eram cinco jornais por dia. Todos liam o jornal pela manhã. Como você incentiva a leitura sem ler o jornal?”, questiona. O envolvimento da família também é fundamental nesse processo.
“A noite, naquele momento de cama, eu acho que é essencial você contar histórias para seus filhos. Você não precisa do livro, conte a história dos Três Porquinhos. É muito importante que as famílias contem histórias”
Cultura e Política
Paralelo à atividade de escritora, Telma Guimarães, como todo brasileiro, tem acompanhado de perto as novas políticas, principalmente aquelas voltadas para a área de cultura. A extinção do Ministério da Cultura, que foi rebaixado a uma secretaria incorporada ao Ministério do Turismo, é vista com preocupação.
“Para a categoria impacta, porque ficamos sem representatividade. É assim que as coisas funcionam. O presidente (atual) tira, outro coloca. As burrices têm que ser desfeitas”
Um caso preocupante na visão da escritora aconteceu na Bienal do livro do Rio de Janeiro, quando o prefeito da capital fluminense, Marcelo Crivella, tentou proibir a comercialização da história em quadrinhos (HQ) Vingadores, a Cruzada das Crianças. Isso porque, em uma sequência das imagens da revista, dois personagens homens se beijavam. “Eu acho que censura nunca mais. Eu penso que o editor publica o que ele quiser. O autor também é livre para escrever o que quiser. O leitor tem o poder de escolha sobre aquilo que ele quer ler. E a família, que fique bem claro, atua como mediadora. Censura nunca mais”, afirma categoricamente. “Assistir novela, todo mundo pode. Aí está tudo bem. Ninguém vai fechar uma rede de TV por esse motivo. Ninguém vai passar um lacre numa emissora de TV”.
Megastores
Um fenômeno que acontece no Brasil e que tem sido cada vez mais frequente é o fechamento de livrarias. Os enormes espaços ocupados por esses estabelecimentos nos shoppings centers reduzem a cada dia. No comércio dos centros das cidades, é cada vez mais raro encontrar uma boa livraria. Telma Guimarães lamenta que isso venha ocorrendo sistematicamente. “Infelizmente o Brasil é um país que fecha as livrarias. A gente vê a diferença que é na Argentina. São cerca de 08 mil livrarias apenas em Buenos Aires. Quantas será que tem no estado de São Paulo? Certamente tem bem menos”, diz.
As enormes livrarias que se via principalmente nos shoppings estão em maus lençóis. “Aquelas grandes, chamadas de mega, estão quase todas em recuperação judicial. Deste modo, os acervos se apequenam e o interesse das pessoas diminui”. Deste modo, a disponibilidade de conteúdos interessantes também é reduzido, já que obras de grande qualidade acabam ficando escondidas. “Hoje as livrarias contam com os grandes blockbusters, que sustentam o negócio. Tipo, você sempre vai encontrar livros do Laurentino Gomes. Eu inclusive comprei um essa semana. Agora, os livros de literatura, aqueles que são pedidos nas escolas, esses não tem mais”, afirma. Outra triste constatação feita por Telma Guimarães é a troca do acervo literário por outro tipo de produto. “Eles estão diminuindo bastante o acervo e colocando brinquedo lugar. Onde antes havia livro, agora há brinquedos”.
Mas nem tudo são notícias ruins. A cidade de São Paulo tem dado alguns sinais bastante positivos. “Eu vejo que São Paulo está abrindo pequenos pontos de livrarias charmosas, que sobrevivem graças a pequenos saraus literários, alguns lançamentos, convidados especiais de escolas”. A esperança é que esse tipo de coisa também aconteça em Campinas. “É triste a gente ver as grandes livrarias fechando. A do Galleria fechou, do Iguatemi reduziu”. No Centro, ainda há alguns redutos onde se vendem bons livros, mas o cenário urbano da cidade dificulta a frequência. “O trânsito é muito ruim, não tem vagas de estacionamento e tem também o problema de segurança”, diz a escritora.
O fato é que a cadeia literária como um todo está em crise. Grande parte das editoras se mantêm com recursos do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). “São os livros comprados pelo governo que são destinados para as escolas”. Esses recursos mantém as editoras, mas livros literários passaram a ser relegados ao segundo plano.
“A vida não é só estudar português e matemática. É preciso exercer o imaginário. Você precisa da literatura”
Para Telma Guimarães, a leitura faz parte do processo de aprendizagem e crescimento do indivíduo. E por causa disso é preciso estreitar essa relação com os livros. Segundo ela, tudo pode ser resumido numa simples frase: “ler tira a gente da zona de conforto”. Outras informações sobre o acervo da escritora Telma Guimarães pode ser visto no site www.telma.com.br.