Na família da copeira Maria Aparecida, quem tem filho adotou uma nova prática para poder comprar leite para as crianças:
“Eu comprei estava quase R$ 7. Antes, eu comprava por R$ 2 e alguma coisa. A minha família família está deixando de comprar a quantidade que comprava. Agora, se compra uma caixinha e divide com água. Meio litro de água, meio litro de leite”.
Já a autônoma Tania Oliveira, que tem 12 netos com idades entre dois e seis anos, tem deixado de lado a carne pra comprar o leite.
“Não tem jeito não. Tem que comprar! Deixa de comprar uma carne e compra o leite. O leite há pouco tempo era R$ 3, agora tá R$ 8,90. Absurdo! A gente não tá dando conta de comprar mais nada. Todo dia que vem é um preço a mais. Todo dia! Tá fora do limite!
Maria Aparecida e Tânia são de Belo Horizonte, mas histórias como as delas estão em todos os mercados brasileiros. Esse ano, o preço do leite já subiu cerca de 30% nas principais capitais do país, e o cenário é de alta ao menos até setembro, segundo especialistas do setor. Pra se ter ideia, nos supermercados, o preço de uma caixinha de 1 litro ultrapassa os R$ 7.
O professor da PUC Minas e da Fundação João Pinheiro, o economista Alexandre Queiroz Guimarães afirma que nas principais capitais do país, o brasileiro tem gastado mais da metade do salário mínimo apenas para se alimentar.
“Quando a gente fala que 55% do salário está sendo gasto com a cesta básica, a gente tem que lembrar que as pessoas têm muitos outros gastos essenciais como: moradia, pagamentos de conta. Se o salário mínimo sobe menos do que a cesta básica, você está ganhando relativamente menos. O que mais importa não é o quanto eu ganho em reais, é a capacidade de consumo que este salário me dá. Se os preços estão subindo demais, a gente está ficando mais pobre”.
Tradicionalmente, entre abril e julho, há uma elevação no preço por causa do período da seca, onde há menor oferta do produto. O clima mais seco prejudica a disponibilidade e a qualidade das pastagens. E, pra compensar, os produtores complementam a alimentação dos animais com ração, o que encarece.
Mas o produto sofreu um aumento significativo. Há cinco anos, o produtor precisava vender 37 litros de leite para comprar um saco de ração para o gado. Hoje, são necessários 51 litros para comprar o mesmo produto.
O assessor técnico da CNA, Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, Thiago Rodrigues, afirma que atualmente o produtor está gastando quase a metade do que ganha apenas para alimentar os animais.
“A ração está representando 45% do custo dele. Esse é o principal ponto. O principal chamariz. Milho e soja são os ditadores do mercado, que vão influenciar nesta questão de preço. A gente tem ainda a questão do sal mineral, que também tem onerado bastante o produtor, tendo em vista a dependência do mercado brasileiro de fontes de matéria-prima de mercados externos”.
Quase 30% dos fertilizantes utilizados do Brasil são importados da Rússia e Bielorrússia, países envolvidos no conflito com a Ucrânia. Com menos oferta no mercado, o preço sobe. O aumento dos fertilizantes provoca uma elevação no custo de produção de grãos, como milho e soja, que são utilizados na fabricação da ração do gado.
Por esses motivos, o fazendeiro que produz mais de 10 mil litros de leite por hectare/ano, viu o lucro por cada litro do alimento cair de R$ 0,19 em 2018 para R$ 0,10, em 2022. Uma queda de 47%, a pior dos últimos cinco anos no Brasil. Os dados fazem parte de um levantamento feito pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil a pedido da CBN.
A maior produtora de leite do país, a Fazenda Colorado, em Araras, no interior de São Paulo, produz cerca de 100 mil litros de leite por dia. O gestor de produção da propriedade, Sergio Soriano, afirma que o ideal seria que o lucro do produtor passasse de R$ 0,19 para R$ 0,30.
“Eu acho que uma margem que deixa o produtor em uma condição de fazer os investimentos na condição que ele precisa, seria algo em torno de R$ 0,30, R$ 0,40 por litro de leite. Tirando os custos de criação. Abaixo disso, fica muito difícil do nosso negócio continuar reinvestindo”.
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil defende a desoneração de impostos. A isenção do PIS e Cofins poderia provocar uma redução de até 9% no preço de itens básicos, como da ração dos animais.