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Em muitas áreas de atuação profissional a inserção das mulheres pode ser mais difícil. Na ciência não é diferente. Segundo a Unesco, as mulheres ainda são minoria, representando apenas 30% dos cientistas no mundo.
Na sala de aula em que Flávia Martinho, de 63 anos, cursou a graduação em Engenharia Elétrica pela USP, na década de 1980, eram 8 mulheres, numa turma de 180 alunos. Mas isso não foi empecilho para que ela traçasse uma carreira promissora na área de tecnologia. A cientista atua há 40 anos no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações, O CPQD, em Campinas.
Pela instituição, já participou de grandes projetos, como a implantação dos sistemas de internet móvel 4G e 5G no país.
“No 4g 5g, o meu trabalho foi identificar as necessidades que a gente tinha. Tínhamos um equipamento, e ele tinha que ter determinadas características e funcionalidades, então eu trabalhei nisso definindo a concepção do sistema, como ele tinha que funcionar internamente e conversar com o mundo”, explicou a pesquisadora.
Flávia participou também de outro projeto importante: a comunicação via rádio do Exército Brasileiro. Cada tropa e batalhão tinha uma frequência diferente. Ela conseguiu elaborar um sistema que integrou todos, melhorando inclusive a segurança das operações militares.
“Trabalhei com foco maior em duas áreas, desenvolvimento de sistemas de software para gerência de redes de telecomunicações. Além de empresas do Brasil, chegamos a atender internacionalmente, que foi o caso de Angola. E a tecnologia sem fio, para as forças armadas, mas também sistemas de conectividade, levando acesso à comunidades que são de difícil acesso”.
A pesquisadora afirma que um dos maiores desafios da carreira é o de trazer o chamado “estado da arte da tecnologia” para os produtos, ou seja, o nível mais avançado, eficaz e inovador de desenvolvimento daquele campo de estudo. Mas ela também traz outro ponto, o de conciliar a vida profissional com a pessoal, desafio que ficou maior com a maternidade.
“Eu tinha que me dedicar também a eles. Eu moro em Jundiaí, então viajava todo dia, e era no período da noite que eu tinha tempo de me dedicar a eles… Eu sentia que eu queria estar mais presente, mas foi a forma que eu consegui conciliar. E deu tudo muito certo, os dois estão formados, um engenheiro civil e o outro economista”, contou Flávia.
O trabalho duro à fez conquistar espaço, que não deixou brechas para qualquer machismo.
“No começo, talvez, as pessoas estranhavam você participar de uma reunião, era uma mulher que tava participando. Mas quando você é introduzida as pessoas, depois de um tempo do projeto em conjunto, estrava na normalidade. As pessoas agem diferente até te conhecerem. Nesses 40 anos, fiz história e participei do sucesso da empresa. Para quem é novo tem que aproveitar as oportunidades e agarrá-las. Espero que mais mulheres fiquem motivadas e se inspirem.”
Daniele Renata da Silva, 38 anos, é outra mulher na ciência: ela integra os 30% de trabalhadoras do CPQD – de um total de 265 mulheres. Há 18 anos no centro de pesquisa em Campinas, desde pequena, a cientista já tinha aptidão para as disciplinas de exatas, principalmente matemática e física.
Entre os projetos de maior destaque para a cientista, ela relembra a participação no desenvolvimento do RDS, o Rádio Definido por Software, nome do trabalho feito para a comunicação das forças armadas, ao lado da Flávia Martinho.
“Eu já conhecia a Flávia, mas foi aí que eu comecei a trabalhar com ela. Imagina só, o Exército tem um monte de rádios, de vários fabricantes diferentes, que não se comunicam entre si. A gente desenvolveu um software que conectava todos eles e fazia todos eles se comunicarem… Foi um grande ganho para a comunicação nacional”, comentou Daniele sobre o trabalho.
Nesse projeto, uma conquista para a cientista foi a de liderar equipes e ajudar os mais novos a aprender e traçar uma carreira. “Eu fiquei bem contente de ter estagiários, guiar a carreira deles, ensinar o que eu faço. Fui picada pelo mosquitinho da liderança. Esse projeto foi a minha escola… As oportunidades foram se construindo e temos que aproveitar conforme elas aparecem.”
Na rotina, ela concilia a pesquisa e ciência com a maternidade, também o maior desafio para a pesquisadora. Mas, graças a uma rede de apoio, as adversidades são superadas. Daniele avalia que o mercado da tecnologia evoluiu em diversos aspectos e encoraja o ingresso de mais meninas e mulheres na ciência.
“Hoje por exemplo, to perdendo o primeiro dia de aula dela… A gente fica um pouco culpada. Mas sabe que faz parte. Vocês podem ser o que vocês quiserem. Quer ser astronauta pode, quer ser piloto de avião pode. Precisa estar muito atenta a todas as oportunidades que a gente tem”, acrescentou Daniele.
Das 265 mulheres que trabalham no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações de Campinas, 22,5% ocupam cargos de liderança.