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Uma combinação de três medicamentos, disponíveis no Sistema Único de Saúde, é suficiente para combater a hanseníase hoje. Segundo o Ministério da Saúde, o tratamento dura de seis a 12 meses, e varia para a forma mais branda a mais avançada da doença.
Mas nem sempre a cura foi acessível e garantia sobrevida aos pacientes. A doença infecciosa, contagiosa e crônica que afeta a pele e os nervos é uma das mais antigas da humanidade e, em um passado recente, era tratada com métodos ineficientes.
O diagnóstico da hanseníase, que já foi nomeada lepra, era praticamente uma sentença de morte. Os cuidados com os doentes eram feitos com banhos, loções e óleos. Além disso, os pacientes eram isolados do convívio social, para evitar o contágio.
O professor de história e geografia, Sidney Rocha, destaca o período histórico em que a doença chegou à Campinas.
“Campinas começa a crescer por causa do café nessa época, ter uma importante expansão urbana, uma regulação na área central da cidade. Os fazendeiros começam a vir para a área urbana. Esse crescimento todo começa a atrair muita gente. A nova densidade populacional traz também as mazelas comuns aos ajuntamentos populacionais… Começam a surgir as epidemias, mas as pessoas tinham poucos recursos na época. Aí, começam a surgir os lazaretos”, explicou o educador.
No século XIX começam a ser criados os leprosários no país, hospitais destinados especialmente para tratar pessoas com a doença. Em Campinas, uma estrutura nesses moldes chegou a existir, o Hospital dos Lázaros, fundado em 1876. A construção foi feita estrategicamente em uma área antes afastada da área urbana, na região da Vila Industrial.
“Havia alguns tratamentos, uns eficazes, outros menos. No entanto, a grande necessidade de ter o asilo dos morféticos não era para tratamento, era para excluir da sociedade mesmo. Dentro desse asilo havia tratamentos, tratamentos paliativos, que aliviassem a dor. Mas havia também problemas relacionados aos relacionamentos, à sociedade que se criou lá dentro”, acrescentou o professor Sidney.
A estrutura foi resultado dos esforços da Câmara Municipal – que na época tinha poder de uma Prefeitura – e também de membros da sociedade com condições para colaborar com a edificação.
O hospital foi um dos objetos de estudo da arquiteta e doutora em história Ana Villanueva, pesquisadora sobre a cidade campineira.
“Foi feito pelo poder público, mas com algumas doações também. Porque o interesse era de tirar essas pessoas da rua. Houve uma mobilização para construção do hospital. É interessante fazer um link com a criação do bairro Vila Industrial. A linha do trem separava o perímetro urbano da periferia, tudo que ficava ali era considerado área periférica”, destacou a pesquisadora sobre a região.
Muitos dos recebidos na unidade eram imigrantes, como portugueses, italianos e suíços, como descreveu Leopoldo Amaral, no livro “A cidade de Campinas em 1900”.
Quem passava pela cidade e tinha a doença era preso e recolhido ao leprosário. O momento era de intolerância e preconceito. A população, inclusive, ficou proibida de ajudar de qualquer forma essas pessoas. Senão, poderiam até ser multadas se abrigassem ou dessem esmola aos doentes.
“O que dá para perceber é que tinha uma capela e uma casa ao lado, onde eles ficavam. Parecia uma chácara, tinha um pátio muito grande. Todas essas epidemias, no país como um todo, mudaram a maneira de organizar as cidades”, completou Villanueva.
“A gente tem uma reforma sanitária muito grande no final do século XIX, com canalização de esgoto. Essas doenças alertaram o Brasil todo para a necessidade de melhorias urbanas. A cidade começa a crescer demais da metade do século XIX em diante. Com isso, vem muita gente para a cidade sem infraestrutura, e começam as doenças. A ferrovia chega em 1872 e o transporte também traz as pessoas para a cidade. Você concentra gente, na cidade que não tem estrutura para receber, então a disseminação das doenças é muito mais rápida.”
O hospital foi fechado em 1933 e os pacientes levados para a Colônia Pirapitingui, em Itu, que também tratava exclusivamente pessoas com hanseníase. Além de ser demolido, a estrutura e todos os materiais de uso do hospital foram incinerados pelo Corpo de Bombeiros, de acordo com o livro A História da Lepra em São Paulo, por Flávio Maurano, em 1939.
O local onde foi o Hospital dos Lázaros fica em área próxima ao Hospital Mario Gatti, na Vila Industrial.
*Colaboração de pesquisa de Ana Villanueva e Jane Durlin.