Uma pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) identificou substâncias tóxicas em águas pluviais da capital paulista, Campinas e Brotas. O estudo, realizado ao longo de dois anos, aponta que agrotóxicos aplicados nas lavouras se dissipam na atmosfera e podem se condensar nas gotas de chuva.
Os efeitos dos agrotóxicos são estudados pelo grupo há 10 anos, mas essa pesquisa focada na chuva é a primeira do tipo no país.
O estudo identificou 14 moléculas de agrotóxicos e cinco compostos derivados. Um deles, o Carbendazin, proibido no Brasil, foi encontrado em 88% das amostras. Já a Atrazina, amplamente usada no agronegócio, apareceu em 100% das amostras coletadas.
Campinas, onde metade do território é agrícola, teve a maior concentração: 701 microgramas por metro quadrado. Em Brotas, com 30% da área usada para agricultura, a média foi de 680. Já São Paulo, com menos área rural, registrou 223.
Cassiana Montagner, professora e pesquisadora do Departamento de Química Analítica do Instituto de Química da Unicamp, afirma que a capital paulista apresentou a menor concentração de substâncias entre as cidades.
“Elas estão distribuídas entre moderada e mais intensivo comparando Campinas e Brotas, por exemplo, aos níveis de variação, eles acabam tendo na mesma ordem de grandeza. Mas quando comparado com São Paulo, a pesquisa apresentou cerca de três vezes menos agrotóxicos, as concentrações estavam três vezes menores do que o que a média encontrada nas outras duas cidades onde a gente tem um cultivo maior agrícola”, contou Cassiana.
A pesquisadora alerta que a água da chuva pode atuar como um vetor de pesticidas, afetando sistemas de água doce e impactando organismos aquáticos.
“Nessas concentrações, alguns dos agrotóxicos, principalmente os inseticidas, eles já são concentrações que ainda muito pequenas e que para nós, seres humanos, talvez não haveria um efeito imediato, mas eles já são capazes de afetar os organismos aquáticos. Então peixes, crustáceos às vezes a produção de algas, e isso acaba comprometendo a cadeia alimentar desde a sua base por conta dessa exposição que nesses ambientes ela acaba sendo contínua para esses organismos. E aí nesse cenário a gente encontra alguns efeitos na reprodução, alguns efeitos bioquímicos que acabam impactando a longo prazo. Não são efeitos que matam os organismos, diretamente, porque as concentrações não são nesses níveis altos, mas são concentrações que ao longo prazo podem causar um impacto ecológico em uma determinada região que é importante ser“, pontuou a pesquisadora.
A pesquisadora afirma que o grupo de pesquisa estuda a capacidade de tratamento das estações de água.
“Outro ponto da pesquisa do nosso grupo, que mostra que nessas concentrações, ainda que menores, as estações de tratamento de água convencionais, elas não estão preparadas para remover esses compostos. Então, se esses rios que estão com esses níveis de concentração apresentam agrotóxicos, que é o curso onde são captados, dificilmente eles vão ser removidos pelas estações de tratamento de água. E a gente vai acabar encontrando essas concentrações na água tratada que chega na torneira das nossas casas. Não é para alarmar em termos de saúde humana, considerando os padrões brasileiros, mas a gente costuma levantar sempre um alerta, a gente pode acender um sinal amarelo ali de que a gente precisa se atentar também para essa exposição”, contou.
O estudo, publicado em uma revista científica, chama atenção para os riscos dos agrotóxicos na chuva, principalmente em locais que já enfrentam crises hídricas. Ele reforça a importância de criar regras para proteger a população da exposição constante a esses produtos.
Confira a entrevista completa