Ligiane Marinho de Ávila, ex-servidora investigada pelo desvio de ao menos 5,3 milhões em recursos públicos de projetos científicos do Instituto de Biologia, na Unicamp, é procurada pela Interpol desde o início de maio. A informação foi confirmada pelo Ministério Público (MP), com exclusividade a EPTV.
Além disso, a ex-servidora de 36 anos comprou quase R$100 mil em moeda estrangeira com a verba destinada a pesquisas. As compras ocorreram em um intervalo de dois meses, entre junho e julho de 2023, conforme apontam os extratos bancários e documentos, incluindo notas fiscais.
Ligiane deixou o Brasil em fevereiro de 2024, um mês após os desvios serem descobertos. Em setembro daquele ano, o Ministério Público pediu a prisão preventiva e a quebra de sigilo bancário da mulher. De acordo com a defesa, a Ligiane está na Europa trabalhando como faxineira.
De acordo com Promotoria Criminal de Campinas, que conduz a investigação, a mulher abriu uma empresa em 2018 e usou o próprio CNPJ para emitir dezenas de notas fiscais falsas, apresentadas como prestação de contas à Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
As notas registravam serviços que, segundo o MP, jamais foram prestados. Em muitos casos, indicavam compra de materiais e manutenção de equipamentos de laboratório. Os valores variavam de R$ 6 mil a R$ 12 mil.
A investigação mostra que, entre 2018 e 2023, a conta pessoal de Ligiane movimentou R$ 6.657.776,15. Os depósitos foram feitos diretamente por contas vinculadas aos projetos financiados pela Fapesp.
Fernando Vianna, promotor criminal, diz que não há dúvidas sobre os desvios.
Em depoimento realizado fora do país, Ligiane nega que tenha desviado todo esse montante. Ela também cita como eram feitas as transferências bancárias.
A ex-servidora tinha a senha e o cartão dos pesquisadores do IB para realizar as transações financeiras, mas, neste momento, a promotoria não vê indícios para denunciar os professores.
Ligiane é ré por peculato e lavagem de dinheiro. O pedido de prisão preventiva foi acatado pela Justiça e está ativo tanto no Brasil quanto no exterior. A ex-servidora é considerada foragida.
Segundo o advogado Rafael de Azevedo, que representa a ex-servidora, todas as transações foram feitas com o consentimento tanto dos pesquisadores quanto da universidade, sem que existisse um procedimento padrão de controle e fiscalização.
O escritório de advocacia que representa os 34 pesquisadores acionados juridicamente para devolver os valores desviados pontuou, em nota, que as irregularidades foram identificadas e denunciadas pelos próprios cientistas, em um ato de “total boa-fé”. E que os docentes entendem que “agiram corretamente e de acordo com todas as normas institucionais da FAPESP e da Unicamp.”
O que diz a Unicamp
“A Unicamp recebeu, em 5 de maio, manifestação do Ministério Público datada de 30 de abril, com a apresentação de novos indícios relacionados ao caso, além de ofício assinado às 15h31, solicitando a instauração de sindicância administrativa. Importante destacar que a Universidade tomou conhecimento da manifestação e dos documentos mencionados apenas na referida data.
A Unicamp solicitou ao Ministério Público o envio das cópias das folhas citadas. A Universidade já recebeu o material, que está sendo analisado e enviará resposta dentro do prazo de 30 dias estabelecido.
A Unicamp apurou os fatos internamente por meio da instauração de sindicância administrativa, na qual foram ouvidos diversos servidores e analisados documentos pertinentes. Ao final dos trabalhos, a Comissão de Sindicância recomendou a adoção de medidas administrativas voltadas à melhoria dos escritórios de apoio, concluindo pelo arquivamento do processo.
Importante esclarecer que os recursos em questão são oriundos da FAPESP. Nas ações movidas por docentes contra a FAPESP, a Unicamp e a FUNCAMP, as decisões de mérito têm sido favoráveis à Universidade, com a condenação dos docentes ao ressarcimento dos valores à fundação. Assim, até o momento, não há risco concreto ao patrimônio público da Unicamp.
Cabe ressaltar que a apuração conduzida pela Universidade se restringe à esfera disciplinar. Até a última manifestação do então reitor, professor Antonio José de Almeida Meirelles, em 16 de abril, não haviam sido apresentadas novas provas que justificassem a abertura de novo processo de sindicância mais específico. No entanto, conforme registrado na própria decisão do reitor, seria necessário aguardar o avanço do Inquérito Policial instaurado e das ações judiciais em curso contra a Universidade para eventual reavaliação do caso.
Nesse sentido, a Unicamp reitera que não houve qualquer omissão por parte do ex-reitor na condução do caso, tendo ele determinado a apuração dos fatos e instaurado sindicância administrativa”.
Fapesp
“A FAPESP constatou irregularidades na prestação de contas de projetos de pesquisa fomentados pela FUNCAMP/Unicamp e desenvolvidos no Instituto de Biologia da UNICAMP.
Analisando a prestação de contas de um projeto específico, constatou-se que as mesmas incongruências se repetiam em outros projetos de pesquisa ali sediados.
Essas incongruências eram indicativas de desvios de recursos públicos concedidos pela FAPESP, praticados dolosamente por uma empregada do Escritório de Apoio vinculado à FUNCAMP/UNICAMP, e ocorriam por meio da emissão e pagamento de notas fiscais fraudulentas emitidas por microempresa de sua titularidade, além de transferências bancárias para sua conta pessoal.
No entendimento da FAPESP, os pesquisadores responsáveis pelas pesquisas contribuíram culposamente para esses desvios, já que franquearam, indevidamente, o acesso de terceiros às contas bancárias vinculadas aos projetos.
A FAPESP ajuizou ações de cobrança, sob a forma de reconvenção e pedido contraposto, contra todos os pesquisadores responsáveis por projetos em que se verificaram desvios, em um total de 34 ações.
Essa medida jurídica se faz necessária em nome do zelo para com o patrimônio público, já que a relação contratual da FAPESP ocorre com os pesquisadores e não com eventuais terceiros que tenham manipulado indevidamente suas contas bancárias. Isso em nada diminui o reconhecimento da relevância da atuação desses pesquisadores em prol da ciência e do desenvolvimento de São Paulo e do Brasil. Na verdade, a FAPESP espera que os pesquisadores consigam demonstrar sua boa-fé e obter regressivamente o ressarcimento dos valores que vierem a devolver à FAPESP junto aos responsáveis finais pelos desvios que ficarem comprovados.
Essas ações estão tramitando junto à 1ª, 2a e 3a Vara da Fazenda Pública da Comarca de Campinas e também em São Paulo – Capital, com a maioria delas ainda em fase de instrução processual.
Nos três casos judiciais em que houve decisão favorável, os pesquisadores foram condenados a devolver, respectivamente, R$ 43.924,74, R$31.255,97 e R$ 242.782,19, acrescidos de correção monetária e juros moratórios.
Há, também, casos de dois pesquisadores que optaram por realizar o ressarcimento pela via administrativa, que somados totalizam R$38.229,20. Tais valores já foram devolvidos.
O relatório final da apuração sobre o caso concluiu que o potencial desvio total de recursos foi de R$5.384.215,88, ocorridos entre 2013 e 2024. Desse valor, R$ 5.077.075,88 foram desviados através de contas bancárias de Ligiane Marinho, ex-empregada da FUNCAMP, e o restante por meio de contas vinculadas a três pessoas jurídicas.
Cumpre registrar ainda que, no âmbito de suas atribuições próprias, o Ministério Público de São Paulo está investigando o caso por meio de Inquérito Civil e também por meio de procedimento criminal”.
- Com informações do G1 Campinas/EPTV Campinas