Um ex-funcionário da Voepass que trabalhava na época do acidente, em 9 de agosto de 2024, afirma que a aeronave que caiu em Vinhedo já tinha apresentado problemas no sistema de degelo, mas isso não havia sido relatado oficialmente.
A testemunha trabalhava na manutenção da Voepass e estava no hangar na madrugada do dia do acidente. Ele contou que o último piloto que comandou a aeronave naquela noite relatou que o avião tinha apresentado problemas no sistema de degelo.
O ex-funcionário conversou com a equipe do g1 Campinas, que produziu um documentário sobre o acidente da Voepass, que será disponibilizado nesta quarta-feira. O áudio que você vai ouvir agora, do relato dele, foi modificado digitalmente, porque, obviamente, ele não quis se identificar
Mas, segundo o relato, o piloto passou a informação apenas verbalmente, e não registrou a falha no diário de bordo técnico. Por isso, a liderança do hangar naquela madrugada ignorou a manutenção, como conta o ex-trabalhador.
O sistema de degelo do ATR, o modelo do avião que caiu em Vinhedo, funciona como se fosse uma bolsa, que infla e esvazia durante o voo, e quebra as camadas de gelo que se formam na parte da frente da asa. O bom funcionamento desse sistema é obrigatório e fundamental, segundo a Agência Nacional de Aviação Civil, para que a aeronave voe em segurança em condições de formação de gelo.
Segundo o ex-funcionário, o voo onde o problema do degelo apareceu antes do acidente foi entre Guarulhos e Ribeirão Preto. O ATR da Voepass saiu de Guarulhos a meia noite e 12 do dia 9 de agosto do ano passado e pousou em Ribeirão perto de 1h. A aeronave ficou parada por 4h30 antes de entrar em operação novamente.
O ex-funcionário diz que, mesmo se o problema tivesse sido notificado, a aeronave não poderia seguir.
Após a pausa, a aeronave partiu de Ribeirão Preto com destino a Guarulhos. De São Paulo, seguiu para Cascavel, no Paraná. Às 11h56, decolou com destino a Guarulhos, mas, poucos minutos antes do pouso, o avião caiu em Vinhedo. Os 58 passageiros, um cachorro e 4 tripulantes morreram na queda.
Durante as investigações, o Cenipa, que é o centro de investigação e prevenção de acidentes aéreos, emitiu um relatório preliminar que mostra que as caixas pretas do avião registraram diálogos entre os pilotos. Apesar do contato constante com os controladores, em nenhum momento houve qualquer indicação da pane ou pedido de emergência. As falas são tranquilas, e seguem o padrão de comunicação esperado na aproximação para pouso. Os pilotos, porém, chegaram a mencionar problemas no sistema de degelo da aeronave. A perícia feita nos destroços do ATR também mostra que os pilotos apertaram três vezes o botão para acionar esse sistema, sem sucesso.
O diretor do Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal, Carlos Eduardo Palhares Machado, explica essa situação.
A Polícia Federal investiga a queda do avião, mas preferiu não comentar a denúncia do ex funcionário até a conclusão do inquérito. O delegado-geral da PF de Campinas, Edson Geraldo de Souza, comenta o que ainda falta para fechar a investigação.
O programa Fantástico, da TV Globo, divulgou áudios de dois funcionários da Voepass comentando o acidente. O diálogo aconteceu um mês depois. Sem saber que estavam sendo gravados, um deles diz em “remorso desgraçado” por não ter comunicado o problema anteriormente.
O áudio é um pouco difícil de ser ouvido, mas o primeiro funcionário, que se disse com remorso, afirma que errou ao não ter passado por escrito, e justificou que não tinha mais o que fazer, porque estava fora do cargo. O segundo trabalhador sugere que ele colete provas para apresentar à investigação, como prints, e diz que é uma “sujeira que fica cada vez mais enojado”.
A Voepass, que teve as operações suspensas após o acidente, não comentou especificamente sobre os problemas apontados pelo ex-funcionário. Em nota, a empresa informou que sempre cumpriu as exigências de segurança e que a frota sempre esteve apta para realizar voos.
Dias depois do acidente, no ano passado, vários relatos começaram a ser divulgados em redes sociais. Em um vídeo, uma comissária mostrou um problema na porta de serviço, que parecia estar cheia de falhas. A voz dela foi alterada com o uso de inteligência artificial.
A Anac disse que acompanha a investigação do Cenipa, e analisa os desempenhos de manutenção por meio de auditorias presenciais e remotas. A Agência Nacional de Aviação Civil informou ainda que a aeronave estava em condições de operação e que os documentos estavam todos regulares.