O Centro de Informação e Assistência Toxicológica da Unicamp (CIATox) alertou que o Brasil não tem estoque suficiente de antídotos para tratar intoxicações por metanol. O aviso foi feito durante coletiva ontem, após a confirmação de seis casos no estado de São Paulo. Outros dez estão em investigação, incluindo jovens que passaram mal após consumir gin comprado em uma adega na Zona Sul da capital.
Segundo o CIATox, os dois principais antídotos usados nesses casos — o fomepizol e o etanol puro — estão em falta. Ambos atuam bloqueando a ação de uma enzima que transforma o metanol em substâncias tóxicas no fígado. Fábio Bucaretchi (BUCARÉTI), coordenador associado e toxicologista do CIATox, afirma que o fomepizol é considerado mais eficaz e fácil de administrar, mas não tem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária, o que impede a oferta no país.
O Ministério da Saúde informou que está em negociação com a Organização Pan-Americana da Saúde para avaliar a possibilidade de aquisição do medicamento para estoque emergencial.
Já o etanol puro, segundo o Ministério, é produzido por laboratórios ou farmácias de manipulação com grau de pureza adequado para uso médico. Está disponível no país e pode ser administrado por via oral ou intravenosa, sempre com controle hospitalar. Quando há necessidade clínica, o CIATox solicita a manipulação do produto.
A Secretaria Estadual da Saúde emitiu um alerta aos profissionais sobre o risco de intoxicação por ingestão de metanol. A substância é altamente tóxica e pode causar cegueira permanente e até levar à morte. Os sintomas costumam aparecer entre 6 e 24 horas após o consumo e incluem sonolência, tontura, dor abdominal, náuseas, vômitos, confusão mental, taquicardia, visão turva e convulsão. A orientação é que qualquer pessoa que apresente quadro incomum após ingerir bebida alcoólica procure atendimento médico imediatamente, faça exames laboratoriais e passe por avaliação oftalmológica.
O CIATox informou que esta é a primeira vez que registra casos de intoxicação por bebida adulterada. Em 2023, houve um caso suspeito de ingestão de álcool combustível, mas sem confirmação. Os primeiros atendimentos começaram após o Hospital do Grajaú, em São Paulo, acionar o centro no dia 1º de setembro. Desde então, nove casos foram registrados, incluindo um em São Bernardo do Campo, um em Limeira e os demais na capital. Um dos pacientes morreu em hospital municipal.
Em seis casos, foi identificado o metanol; nos demais, o ácido fórmico, que aparece no organismo após a metabolização da substância. Seis pacientes tiveram indicação para hemodiálise, mas apenas quatro passaram pelo procedimento. Um deles não resistiu ao quadro grave e outro não foi encaminhado por decisão médica.
O metanol é um tipo de álcool incolor, inflamável e tóxico, com cheiro semelhante ao da bebida alcoólica comum. É usado na indústria para fabricar tintas, solventes, plásticos e biodiesel, mas não deve ser comercializado para consumo humano. Os sintomas iniciais podem se confundir com os de uma intoxicação por bebida comum, mas evoluem rapidamente para quadros graves, como explica o farmacêutico do CIATox e presidente da Sociedade Brasileira de Toxicologia, Rafael Lanaro.
O tratamento depende do tempo de exposição e pode incluir suporte clínico, correção da acidez do sangue, uso de antídotos e hemodiálise.
A médica do CIATox Camila Carbone Prado reforçou que mesmo pequenas quantidades de metanol podem ser perigosas. Bebidas adulteradas que misturam etanol e metanol são especialmente arriscadas, porque o etanol retarda os efeitos do metanol, dificultando a identificação do problema durante o consumo.
Em São Paulo, quatro bares foram interditados após suspeita de vender as bebidas com metanol. Um deles fica no Jardins, área nobre da capital paulista. Equipes também foram aos uma distribuidora na região da Vila Mariana, Zona Sul da capital, e um bar em São Bernardo do Campo, onde três pessoas morreram neste mês com suspeita de intoxicação por metanol, e um bar na Mooca, Zona Leste.