A intolerância religiosa, com a demonização dos cultos e das manifestações das religiões de matriz africana é uma das formas de racismo. Os fieis frequentemente são acusados de culto ao diabo e são vistos como alguém do mal.
De acordo com Edna Lourenço, presidente da Associação dos Religiosos de Matriz Africana de Campinas e Região (Armac), a história do racismo religioso no país remonta aos tempos do Brasil Colônia, quando os africanos eram impedidos de cultuarem seus próprios deuses e forçadamente catequisados para aderirem à religião oficial da época que era o catolicismo.
Esse histórico de perseguição e negação do direito à própria religiosidade se estendeu mesmo após a abolição da escravatura.
“No período da Primeira República, 1889-1930, e na Era Vargas, 1930-1945, por exemplo, as religiões de matriz africana eram oficialmente criminalizadas, segundo o código penal de 1890”, explica Edna.
Muitos objetos sagrados das religiões africanas foram confiscados pela polícia nesse período. Em decisão histórica, neste ano, foram tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) mais de 500 objetos sagrados que foram apreendidos entre 1889 e 1945, e estavam sob a guarda do Governo do Rio de Janeiro. O tombamento ocorreu devido às reivindicações de lideranças religiosas e os objetos foram doados ao Museu da República.
Mas o preconceito está presente no cotidiano e se manifesta de diversas formas. A professora Célia de Ayrá, conta que ao ser iniciada no Candomblé precisou ficar 90 dias usando roupa branca e com a cabeça coberta. Na escola em que trabalhava ela convivia com um grupo de professoras, mas uma deixou de falar com ela depois da iniciação.
“Uma dessas professoras olhou para mim, eu a cumprimentei normalmente e ela deu dois passos para trás, continuou olhando para mim, não me cumprimentou, e a partir daquele dia, até o último dia do ano, ela nunca mais falou comigo”, conta a professora.
Além disso, o secretário da escola também a abordou de maneira preconceituosa.
“Ele virou para mim e falou assim, você não tem medo de fazer uma coisa de gente que cultua o diabo?”, relembra.
No transporte público, por exemplo, Célia conta que as pessoas não se aproximam quando identificam suas características religiosas. Recentemente, o único assento vago no ônibus era ao lado dela, mas ninguém se sentou.
“Entrou uma mulher com uma criança no colo, ela olhou para mim, olhou para o banco, levantou a cabeça, olhou para frente e foi em pé, com o ônibus cheio, com a criança no colo, e só resolveu se sentar quando um rapaz que estava do outro lado, se levantou aí ela sentou”, relata Célia.
Edna Lourenço, da Associação dos Religiosos de matriz Africana, diz que casos como os vividos pela professora Célia precisam ser denunciados.
“Tem que ser denunciado. Nós não podemos nos calar. O fato é que a base dessa intolerância, a base desse racismo religioso é a nossa cor de pele. A base da intolerância religiosa é o racismo”, afirma a militante.
Para Edna, para extinguir essa forma de violência, além de lutar e exigir o cumprimento da lei, as lideranças religiosas precisam orientar sobre os direitos.
“Propagar o respeito, a convivência, a tolerância, a igualdade e a paz. Essas são algumas ferramentas primordiais nesse combate à intolerância religiosa. Conhecendo seus direitos, divulgando e lutando por eles, é dessa forma que eu penso que o combate à intolerância pode e deve ser feito”, finaliza Edna.